REVISIBILIDADE DOS TERMOS DE AJUSTAMENTO DE CONDUTAS AMBIENTAIS
Em 2012 entrou em vigor o famigerado “Novo” Código Florestal (Lei 12651/12), que revogou a Lei 4771/65 e normas correlatas. Dele derivaram outros atos normativos, às vezes o modificando, as vezes o complementando e regulando. Até seria intuitivo deixar de constar a palavra “Novo” em sua nomenclatura descritiva, isso porque já se foram 7 anos desde o início de sua vigência. Entretanto, digo-lhes que a palavra “Novo” nunca deixou de ser apropriada a designar a referida lei – pelo menos até o presente momento. Explico: é que ainda há uma infinidade de assuntos a serem debatidos e definidos acerca dessa legislação ambiental, que impedem, ainda hoje, mesmo passados 7 anos, uma aplicação/interpretação completamente segura e pacífica dessa legislação. São várias as polêmicas jurídicas que ainda permeiam o tema.
Dentre tais polêmicas, destaco a situação jurídica dos Termos de Ajustamento de Conduta (TACs) ainda não cumpridos/concluídos que tenham sido firmados na vigência da legislação anterior revogada (Antigo Código Florestal – Lei 4771). Existe uma indagação óbvia que surge a todos os proprietários rurais que assinaram seus TACs antes do início do vigor da Lei 12651/12, de 28/05/2012, qual seja, saber quais parâmetros legislativos regerá o cumprimento de seu TAC. Aqueles disciplinados pela legislação anterior ou aqueles trazidos pela legislação sucessora?
Sobre esse tema, observando a nova legislação, a lei 12651/12 (“Novo” Código Florestal) criou os Programas de Regularização Ambiental (PRAs) em seu art. 59, determinando à União, aos Estados e ao Distrito Federal a implantação dos referidos PRAs através da devida regulamentação. O objetivo dos PRAs é justamente adequar as propriedades rurais que possuam irregularidades ambientais aos termos do “CAPÍTULO XIII – DISPOSIÇÕES TRANSITÓRIAS” da Lei 12651/12. Apenas para esclarecer, é dentro desse CAPÍTULO XIII que constam regimes de adequação diferenciados paras os casos de propriedades rurais que possuam “áreas consolidadas”, ou, simplificando, áreas com ocupação e atividade antrópica anteriores à 22/07/2008. É dentro desses regimes de adequação diferenciados que constam alguns benefícios e facilidades ao proprietário rural, prevendo, p. ex., maiores prazos para regularização em alguns casos, e metragens diferentes para Áreas de Preservação Permanente (APPs) em outros, entre outras prerrogativas.
A União, atendendo ao comando normativo do art. 59, e a fim de regulamentar o PRA, emitiu os Decretos n. 7.830/12 e n. 8235/14. Este último trata especificamente sobre a situação dos TACs firmados na vigência da legislação anterior em seu art. 12. Veja o texto legal: “Os termos de compromissos ou instrumentos similares para a regularização ambiental do imóvel rural referentes às Áreas de Preservação Permanente, de Reserva Legal e de uso restrito, firmados sob a vigência da legislação anterior, deverão ser revistos para se adequarem ao disposto na Lei n. 12.651/12”.
O Estado de São Paulo, por sua vez, ao regulamentar o PRA, promulgou a Lei 15.684/2015, cujo art. 12 traz redação muito próxima daquela disposta no já citado Decreto n. 8235/14, confirmando o dever de revisão dos TACs antigos.
Até aqui parece tudo muito claro, sem controvérsias, os TACs anteriores ao Novo Código Florestal devem ser revistos. Ocorre que há corrente de entendimento diversa, contrária, segundo a qual os TACs firmados na vigência da lei anterior representariam atos jurídicos perfeitos, blindados, portanto, de qualquer possível prejuízo que a lei posterior pudesse vir a lhe causar, conforme art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal. Vale citar o texto constitucional: “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”. Portanto, segundo essa corrente, uma vez ato jurídico perfeito, a nova lei não poderia atingir tais TACs, sendo inconstitucional a revisão prevista tanto pelo Decreto 8235/14 quanto pela Lei paulista n. 15.684/15. Filia-se a essa corrente de pensamento o Ministério Público, órgão vinculado a grande número de TACs nessa situação.
Instaurada, então, a controvérsia, que certamente restará ao judiciário resolver.
Particularmente, penso que a revisão dos TACs antigos não representa violação à proteção constitucional conferida ao ato jurídico perfeito. Tal regra de proteção sequer pode ser tida como absoluta, livre de exceções. Lembre-se que o art. 505, I do CPC, traz exceção à proteção da coisa julgada, também igualmente protegida pela CF no art. 5º, XXXVI, ao lado do ato jurídico perfeito. A exceção é prevista justamente para os casos de relação jurídica de trato continuado, tal como é a obrigação ambiental, quando sobrevier modificação no estado de fato ou de direito. Ora, no caso dos TACs firmados na vigência anterior (Lei 4771/65), revogada em 2012, houve patente modificação do estado de direito com a vigência da Lei 12651/12.
Se a legislação que dava suporte legal e motivava inicialmente a existência do TAC foi sucedida integralmente, estando o objeto do TAC ainda não concluído, ou seja, apto a revisão, tal revisão deve ser consumada, adequando-o à nova legislação. Afinal, o TAC existe para que os infratores possam promover as necessárias correções das suas atividades que comprometem o meio ambiente (vide art. 79-A, § 1º da Lei 9605/98), adequando-as à lei então vigente. Se a lei vigente traz parâmetros outros, não disciplinados pela lei anterior, já revogada, não há que se cogitar que o compromissário signatário do TAC cumpra obrigação na forma que a própria lei já não mais exige. Daí a necessidade de revisão.
Em termos jurisdicionais, recentemente o E. TJSP enfrentou a questão, ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 2100850-72.2016.8.26.0000, que questiona a Lei do PRA paulista, n. 15684/2015. Um dos dispositivos questionados foi justamente o art. 12, que disciplina o dever de revisão dos TACs antigos. O Tribunal paulista reconheceu a legalidade da revisão, que, segundo o entendimento adotado, é obrigatória, e não opcional.
Entretanto, muito ainda há que ser discutido, inclusive pelos tribunais superiores (STJ e STF), antes de uma definição mais segura sobre essa matéria. Enquanto isso o proprietário rural terá que conviver com certa dúvida quanto ao futuro de suas obrigações ambientais ajustadas em TAC, sempre com riscos de sofrer processos de execução ambiental caso opte por seguir a nova legislação, pela via do PRA e respectiva revisão do TAC.
Vinícius de Freitas Bortolozo – Sócio